Maurício Pássaro
Jornalismo, Literatura & Quadrinhos
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quarta-feira, 11 de março de 2015
domingo, 8 de março de 2015
sexta-feira, 30 de janeiro de 2015
quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
terça-feira, 16 de dezembro de 2014
ÁGUAS PROFUNDAS DA CORRUPÇÃO
Vejam só quanto a nossa história abusa de ironia: uma empresa estatal especializada na descoberta do ouro negro e vivendo seu inferno astral-financeiro. Escândalos que parecem dar em um poço sem fundo.
Você
vai dormir uma noite, acorda pela manhã, e milhões de reais em propina se multiplicaram
como gremlins que pularam na água depois de meia-noite e fizeram um lanchinho.
As lindas criaturinhas que apareciam dóceis durante a campanha eleitoral viram
detestáveis monstrinhos comedores do Erário. A cada dia, a lista engorda. Uma
investigação atípica começa do alto pegando peixe graúdo, baleias; depois, uns
tubarões (Bois-de-piranha). O sistema dá alguns de seus anéis, mas mantém seus
dedos.
Contudo,
se os escalões forem baixando, pegando executivos e diretores, tambaquis e
tucunarés, etc.? A partir de um certo momento, quando chegar a vez das
sardinhas e dos bagres, você não vai mais conseguir dormir direito, achando que
poderá ser chamado à justiça, no Congresso, prestar depoimento e fazer
acareação com o frentista de um posto de gasolina onde você abasteceu o carro.
O
envolvimento pujante do PT colide com a sua antiga, muito antiga, imagem de
“partido da moral e da ética” – bandeira erguida em tempos de oposição e
campanha. PT sempre foi uma farsa? Ou traiu a seus princípios e eleitores,
simplesmente? Como o partido será postado na história? O que foi que aconteceu:
engodo ou traição?
Outra
maneira de se ver a coisa é imaginar, em vez de um poço profundo de petróleo,
uma enorme galeria de esgoto, do tamanho da nação brasileira. De modo que, de
tanta denúncia e investigação, parece ter sido agora encontrada uma fonte
inesgotável.
Só
que dali não é petróleo que sai.
segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
PENSANDO BEM
O jogo da política
Pensando bem, se este fosse um país sério, mas
sério mesmo (como esperava o general Charles De Gaulle), nossos políticos
deveriam ser escolhidos por meio do futebol. Um campeonato entre os partidos.
Hein?
A torcida, a militância. Em vez de votos, gols.
Conflitos de rua, batalhas campais, farpas trocadas em redes sociais – tudo
isso já consta no domínio tanto de torcedores quanto de militantes. Corrupção,
fraude, simulação? Patrocínios bilionários? Partidos e clubes de futebol não
vivem sem. Quanto à corrupção, foi a presidente mesma quem disse que em todo
partido há corruptos, sem exceção.
Na verdade, a escolha de um governante só não é
desse jeito porque não saberíamos como lidar com a segurança em campo. Imagine
uma grande finalíssima entre o time de Dilma e o de Aécio enfrentando-se no
gramado. Disputa no pênalti. Teria de haver, pelo menos, um juiz para cada
jogador. E um policial do Bope. Seria complicado de se verem umas duas dezenas
de juízes e policiais disputando espaço, sem se esbarrarem, a fim de se manter
a integridade física dos jogadores, com seus fígados, olhos e dentes intactos,
todos em seu devido lugar.
Na disputa, pela intermediação do futebol, ao
menos seria menor o risco da fraude, ali, um estádio cheio de torcedores-militantes
e a imprensa de olho, sem falar nos drones. E os capitães dos partidos, seus
candidatos, poderiam ser xingados naturalmente como os juízes de futebol sempre
foram – a presidente não precisaria mais ficar encabulada no camarote de um
estádio.
Por outro lado, esta seria uma verdadeira prova
de contenção, de sublimação dos instintos, demonstrar que é possível muito bem
disputar uma bola sem um arrancar a canela do outro. E os dribles, as fintas, as
jogadas individuais criativas seriam o equivalente aos debates televisivos, que
são monótonos, há muita segurança nos estúdios, fica difícil de os candidatos
relaxarem, se soltarem e fazer o que gostariam de fazer, de coração: se atracar
e tentar torcer o pescoço do outro. Ademais, reproduzir discursos bonitinhos
garimpados por uma equipe de marqueteiros superpoderosos é mole. Quero ver é
entrar em campo e fazer bonito. Isso sim nos provaria que o comando do país
estaria em boas mãos, quer dizer, em bons pés. Romário é prova de que um
jogador de futebol pode fazer bonito no parlamento. Então, o contrário também é
possível: o político fazer bonito em campo.
Este seria o caso de o sucesso vir na frente do
mandato, em seu início, e não ao fim. Eleitores-militantes começariam o ano
satisfeitos com o campeonato, aproveitando quatro anos para zoar dos
perdedores. Se o governo será bom ou ruim, não é importante. O que importa é bola
na rede. O sucesso do governo depende da sua vitória nas eleições
exclusivamente.
Pensando bem, enquanto alguma coisa aqui for
tratada sem a nossa referência maior e sagrada do futebol, será sempre motivo
de suspeita. Jamais será uma coisa séria.
Fala sério.
domingo, 30 de novembro de 2014
O CARRO & O GATO
Um conto sobre o
imprevisível
Viagens a passeio, num feriado belamente
prolongado, exigem um mínimo de programação. Programar é fazer previsão. E
provisão. Uma família deve prover-se de coisas básicas para viajar, calcular o
quanto se vai gastar (no caso dos sem-muito-dinheiro, que é o meu), lembrar as
roupas, toalhas, casacos, alimento. Há muito mais. E como só podem ser coisas
pequenas, miúdas, pelo limite do espaço do automóvel, elas são esquecidas ou
perdidas ao longo da viagem.
A família Birdville
resolveu levar todos dessa vez. Só não levou o papagaio porque não tinham
um. Mas, tinham uma cadela e um gato com rabo cotó (um carro o atropelara
quando ainda era filhote). E a menina caçula tinha também uma colega com
vontade de conhecer as montanhas da Serra da Mantiqueira. Por muito pouco a
colega não levou da mesa forma o seu totó. Foram todos. Meio apertadamente, mas
foram.
A viagem estava boa, o tempo, agradável. Tudo
dera certo. Porém, na hora da volta, o carro pifou no meio de uma estada de
terra. Saltaram todos e vieram andando até o próximo arraial. O senhor
Birdville fechou bem as portas e as janelas do carro e liderou a tropa em sua
caminhada forçada até à civilização. Conseguiu ajuda com o sêo Márcio, o “homem
do caminhão”, que rebocou o carro até à oficina mecânica. Aconteceu num
domingo.
O conserto do carro foi rendendo e a família
foi ficando. Sêo Márcio levou os cinco, mais a cadela, até uma pousada num
distrito próximo, onde se aceitava cartão magnético. O dinheiro em espécie foi
dizimado pelo custo do autossocorro, os gastos adicionais comuns, as
lembrancinhas. Restou o cartão. Poderia a família retornar de ônibus, não fosse
o impeditivo da viagem de animais soltos, fora da caixinha. E a cadela não era
pequena, não tinha caixa para transporte. Deixá-la na pousada e vir buscar
depois, nem pensar.
A cadela não deu problema. Quem deu problema
foi o gato, que se afugentou quando a arrumadeira abriu a porta e levantou o
colchão bruscamente. O felino não quis saber de relacionamentos com gente
estranha – gato de apartamento, cuidado no carpete, que corre atrás de bolinha
de papel que lhe jogam, em vez de caçar ratos ou passarinhos. No seio da
floresta, seu instinto se aguçou. Subiu na janela do quarto, deu um pulo e foi
parar num buraco do telhado da casa vizinha. Aí, uma tropa se lançou
solidariamente no resgate causando-lhe o pavor final que precisava sentir para
se atirar no meio do mato, e transpassou cercas e quintais.
Com aquele exército de bravos buscadores
andando pela encosta do morro gritando o seu nome, não apareceria de jeito
nenhum. Se fosse cachorro, atenderia. Se fosse a cadelinha, retornava de
pronto. Na verdade, nem sumiria por medo, ao contrário, mostraria seus dentes
afiados e latiria ao ver uma arrumadeira intrusa avançando o seu território. Se
fosse gente, essa escapada seria uma demonstração de arrogante misantropia. Ou
algum acidente de percurso. Mas, o animal tem o seu direito a ser misantropo. Ele
pode.
A menina mais velha chegou a cogitar que a
escapada fosse um sinal de vingança do gato, por ter sido deixado no carro,
quando ele pifou, na estrada, ao relento, ao Deus-dará. Ficou o coitado boas
horas sozinho dentro de uma caixinha de plástico, no meio da bagagem mexida no
balanço do carro, observando o voo apetitoso dos pássaros ao redor, lá fora,
livres. Talvez, ele agora soubesse o que é viver em gaiola como muitos pássaros
vivem nesse mundo-cão, ou melhor, mundo-gato. Gato sofre mais. Se pudesse
falar, quem sabe não tivesse pedido polidamente para ficar em casa, em vez de
viajar, cuidaria do lar, pois todos sabem que os ratos fazem a festa quando
todos saem de casa. Ainda argumentou dando algumas miadas, mas não deu certo, o
seu dialeto é muito difícil, e os humanos não se entendem nem entre eles próprios,
o que dirá na língua discretíssima dos gatos!
Vendo que as crianças começavam a verter
lágrimas pelo bichano sumido, o pai resolveu que daria uma recompensa
financeira a quem o encontrasse. Não se falava em outra coisa, na localidade: o
resgate pelo gato sem rabo. A família subiu a encosta do morro, sob chuva,
caçando o felino pelos cantos, mas ele não era bobo e não se deixou encontrar.
O senhor Birdville ficou no arraial para
encontrar o gato, e o restante da família retornou pagando frete. No dia
seguinte, foi chamado às pressas, na rua:
- Senhor Birdville! Senhor Birdville! O gato! A
arrumadeira encontrou o gato!
O homem saiu em disparada, entrou no quarto,
ficou a sós com o fujão. Abriu a porta da caixinha e deixou que o gato
entrasse. Fugiu quando a arrumadeira levantava o colchão e retornou quando a
mesma iniciava a faxina do quarto. Dessa vez, a moça teve o reflexo de fechar
as portas e as janelas, antes de chamar o senhor Birdville. Vale a metade do
valor do resgate.
Já o carro enguiçado infelizmente não voltou
sorrateiro da oficina entrando no quarto pela janela e fazendo a mesma surpresa
do gato. E o seu resgate é bem mais caro.
O senhor Birdville ligou para a menina mais
nova e disse que havia encontrado o gato. E ainda brincou dizendo que a
felicidade nas redondezas foi tanta, que comemoraram fazendo um churrasquinho
do próprio gato. A menina não achou a menor graça.
Mas, isso era previsível.
quinta-feira, 13 de novembro de 2014
CONSERVADORES &
PROGRESSISTAS
Considerações
acerca do pai do Tuninho
O pai do Tuninho é o maior reaça. Muito
conservador. Tanto assim, que no seu exame de sangue apareceu uma alta taxa de
conservante ácido benzoico. Coitado do Tuninho, que paga maior micão com aquele
pai fora de moda. Não tem coisa pior do que um coroa tentando se passar por
garotão, não só garotão, mas um garotão conservador. Ridículo. Mico.
Os pais dos outros são mais legais. Deu pra
sacar isso durante uma festa, no colégio. São progressistas. Antenados com o
mundo de hoje. Seus filhos se orgulham do progressismo paterno. E não se pode
dizer o mesmo de Tuninho – seu pai parece ter saído do túnel do tempo,
diretamente da Idade Média. Havia gente progressista na Idade Média, mas seu
pai não parece ter estado entre eles. Mesmo porque ele nem havia nascido. Ou
havia, mas se conservou até hoje.
Se o mundo ficou desse jeito, foi certamente
por culpa dos conservadores. Por eles, não teríamos abandonado a roda quadrada.
A redonda pôs tudo a perder – repare o que aconteceu depois disso. Enquanto só
existia a quadrada, o mundo seguia equilibrado, os exércitos tribais lutavam em
pé de igualdade: pau e pedra era o que não faltava. E os carros-de-guerra,
feitos com a madeira do pinheiro-de-wollemi, locomoviam-se com muita
dificuldade. A primeira roda redonda, o início de tudo, deve ter sido inspirada
na morte, feita pensando-se em aumentar a velocidade de incursão no território
inimigo.
Mas, com a roda redonda, começou a
desigualdade. O primeiro primitivo que esmerilhou uma roda em círculo perfeito
se deu bem e é o ancestral mais distante de George Soros. Até chegar à
complexidade e excelência do sistema financeiro, a roda passou por
melhoramentos cada vez maiores, como a invenção de um buraco no meio, após séculos
de observação e pesquisa, permitindo assim se inventar os sistemas de eixo.
“Meu pai é conservador” – confidenciou-me
Tuninho, tristonho. E abriu totalmente o jogo. Marxista ortodoxo, o pai dele
conserva até hoje dentro de si as diretrizes do primeiro plano de
desenvolvimento da União Soviética – aquilo sim um avanço na administração
pública. Foi totalmente contrário à derrubada do Muro de Berlim, achou que
Gorbachov exagerava na vodka quando criou aquele negócio de perestroika. Por ele, o mundo continuaria
bipolar, cada um no seu canto, Maluf, Collor e Sarney sendo chamados de “direita”
pelo PT, o vídeo-game, a máquina-de-escrever... tudo bem definido.
Tuninho foi dizer ao pai que os pais de seus
amigos eram gente que valorizava a constituição da família, a religião e a
propriedade privada. Eles, sim, gente progressista, revolucionária, que conta
com Deus para transformar o mundo. Para se ter apenas uma ideia... Quase todos,
casados há mais de vinte anos! Com exceção de dois, que ficaram viúvos e
vestiram luto permanente.
Arrependeu-se de dizer isso. Seu pai pegou no
seu pé o resto do ano.
- Filho, melhor é a tradição. Não ligues se os
amigos te chamarem “conservador”. Fala pra eles que aqui nesta casa somos
conservadores, sim, porque conservamos coisas boas. Olhe aqui. Está vendo esse
charuto cubano? É de 1959. Eu o conservo até hoje.
HEIN, PAI...!
A
contabilidade criativa de Maria Sanma
Se é exagero do pai, não sei, mas estou certo
de que Maria Sanma escreverá pelo menos um romance best seller até os dezoito anos, traduzido para vários idiomas. Aos
trinta, já poderá se candidatar à imortalidade, na ABL. Tem talento para
redigir, faz boas redações.
Porém, como todo aquele que é bom em português,
fica a desejar em matemática. Não sei se isto é realmente um fato, um dado
estatístico, uma regra. Mas, costuma ser assim. Já constatei entre amigos. Eu
mesmo sofria agruras nas mãos da álgebra, das inequações de segundo grau e
cheguei ao pré-vestibular lutando pra decorar quanto dava 7 x 8 (hoje sei que
dá 49).
Maria chegou em casa falando “Hein, Pai...!”
Quando anuncia tais palavras, com reticências, é porque vai pedir alguma coisa.
- Hein, pai...!
Iniciou a conversa dizendo que já estávamos no
fim-de-ano. Havíamos combinado que durante o ano, ela faria uma redação por dia
valendo cinco reais. Ao fim do mês, contando apenas os dias úteis, receberia
cem reais. Em meados de janeiro, acertamos que eu adiantaria os mil reais do
ano, descontados o mês de férias e outros encargos pelo serviço. Firmou a meta
de 220 redações.
- Hein, pai...!
Agora vem com uma conversa mole. Atrasou as
redações e, a menos que faça umas dez por dia (incluindo sábado e domingo), não
conseguirá cumprir a sua meta.
Aí, eu fui dar uma de esperto, comparando-a com
a presidente Dilma. Falei que a presidente também se comprometera com uma meta,
no início do ano, e não a cumpriu. Não cumpriu e não deu satisfação nenhuma à
sociedade. Maria replicou dizendo que, entre os vinte alunos de sua turma, dezessete
também não conseguiram cumprir suas metas, ao fim do exercício. Apenas três
CDFs cumpriram. Além do mais, presidentes não ficam em recuperação. Então, tive
que dizer:
- Filha, não use os outros como desculpa. Você
tem que dar conta da sua própria meta, não se importando com a dos outros.
Só não lhe disse que a presidente Dilma também
não atingira a meta fiscal prometida e, chegando ao fim de ano, resolvera mudar
as regras. Que a presidente usou como desculpa o fato de dezessete países do G –
20 (os vinte maiores do mundo) não terem também conseguido alcançar suas metas.
Não sei se Maria Sanma ainda é muito nova para
entender essas coisas ou se já passou da idade de entendê-las.
quarta-feira, 12 de novembro de 2014
LOBÃO & A CHAPEUZINHO
VERMELHO
Aventuras
na selva bolivariana
Era uma vez uma menina chamada Chapeuzinho
Vermelho. Ela vivia numa floresta bolivariana, num calor de cinquenta graus à
sombra, e vestia gorro de algodão e couro de cor vermelha. O vermelho veio de
uma resolução do partido gerada pelo Conselho Florestal. Fez-se um plebiscito –
vermelho ou paredón – e a cor
vermelha foi aclamada com cem por cento de votos. A empresa que computou os
votos era tão confiável, que apareceram até mais votos, resultando num total de
125%.
Quando chegou a idade de arranjar emprego –
três anos após aprender a falar – o Conselho Florestal se reuniu e chegou à
conclusão de que Chapeuzinho tinha talento e competência para levar doces para
um asilo de idosos, um campo de concentração próximo, lugar bonito, arborizado.
Esta seria a sua profissão.
Uma vez, ela bateu boca com um lobo, no meio da
floresta, por causa de política. O lobo era do tamanho de um elefante, e o povo
o chamava carinhosamente de Lobão, o Big Wolf. Todos aqueles que não gostavam
de ser submetidos à ideologia do partido eram chamados de “burgueses” ou “fascistas”.
Era só um bicho querer levantar uma questão contrária e era alcunhado, sem
nenhuma argumentação, “fascista”.
Lobão era criticado por ter independência e
coragem. No passado, chegou a fazer campanha para o partido. Mas, depois que o
partido alcançou o poder e lá se aninhou para sempre, percebeu que somente
havia ali um projeto de poder, não de governo ou estado. Tudo para dar emprego
aos amigos, montar esquemas, participação em comissões – escândalos de corrupção
em série, como nunca antes na história dessa floresta. Grande parte dos animais
permanecia achando que o partido ainda era o mesmo de outrora.
A briga começou quando Lobão perguntou a
Chapeuzinho:
- Por que essa inflação tão grande?
- É para dar empregos – respondeu a moça
vermelha.
- E por que o Bolsa-Família, se o país já saiu
do mapa da miséria?
E blá, blá, blá...
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
BOLSÓLATRAS
ANÔNIMOS II
Era conhecida como O Casarão. Uma clínica
especializada em tratamento a dependentes de bolsas dadas pelo governo. As
bolsas surgiram para ser provisórias, enquanto durasse a miséria no país. O
Brasil saiu do mapa da miséria, mas o mapa das bolsas continuou, de Norte a
Sul, mais ao Norte.
O novo governo, após uma dinastia de mais ou
menos dez ou doze mandatos consecutivos do outro partido – ninguém lembra ao
certo – dedicou os quatro anos do seu mandato em auditoria dos programas do
governo anterior e descobriu milhares de beneficiários em situação irregular.
Teve que desativar imediatamente muitos benefícios. E muita gente entrou em
depressão quando o governo parou a concessão. Hordas de brasileiros vagando
pelas ruas e olhando para o zênite, como zumbis, sem saberem o que fazer. Uma
coisa muito forte, fisiológica, dava tremedeira e à noite o sujeito suava frio,
antes de dormir.
* * *
Ele chegou ao Casarão, mais uma vez, sentou-se
na cadeira marcada. Estava disposto a falar, se abrir com os amigos, nunca
tivera coragem. Respirou fundo, levantou o dedo quando o terapeuta perguntou se
alguém queria falar.
- Gostaria de dizer o que eu ouvi de dois
deputados, na televisão. Um dizia pro outro que o Bolsa-Família era como dar o
peixe ao pobre, sem ensiná-lo a pescar. Mas, o outro disse que com a barriga
cheia era mais fácil aprender a pescar.
O depoimento causou uma boa impressão, todos
acenaram em concordância. É claro que é melhor buscar emprego com a barriga
cheia, sem fome. Uma metáfora. É preciso completar a etapa inicial – alimentar
o povo – para então o sujeito ter forças para conquistar emprego.
- Um absurdo! Com o dinheiro do governo comprei
varinha de pescar, umas oito, material, barco, equipamentos de segurança... Só
de combustível...! Mas, não pescava nada. Se eu juntar esses anos todos, não
dão dez lambaris!
- Você vai se recuperar, fique tranquilo. A
maioria aqui frequentou pesque-e-pague... Tem gente que nem assim conseguiu
pescar...
Ao fim da sessão, depois que todos relataram
seus casos, uma coisa ficou bem entendida: nova metáfora era necessária. A do
peixe não funcionou.
sexta-feira, 7 de novembro de 2014
BOLSÓLATRAS ANÔNIMOS I
O tempo foi passando, vieram as eleições, as urnas continuaram eletrônicas e o partido ficou mais alguns mandatos no poder. Até que um dia enjoou. Também sobraram poucos ministros, poucos deputados e senadores, quase todos foram presos numa sequência incessante de escândalos, cada um que vinha deixava o anterior no chinelinho. O partido abandonou as eleições, por dó, dando uma chance de a oposição vencer, ficar um pouquinho no comando e aproveitar o que sobrou do patrimônio público.
O novo governo suspendeu o benefício das bolsas, logo que foi empossado. Precisava fazer uma auditoria geral – demandava tempo, foram décadas e mais décadas num partido só. Não fossem as eleições, dir-se-ia: vive-se numa ditadura. O pior é que um governo democrático cai quando a situação econômica fica ruim, mas as ditaduras parecem durar quanto mais a economia se deteriora. A maioria dos beneficiários nem mais estavam vivos (foram chamados de “os fantasmas do passado”). Os poucos que restaram não sabiam o que fazer para curar a dependência: as bolsas criaram uma geração de dependentes do Estado. O novo governo resolveu então promover a recuperação para bolsólatras.
* * *
Ela chegou atrasada no casarão, carregando embrulho, estavam já todos sentados nas cadeiras, em círculo. O terapeuta lhe sorriu, dando boa tarde. Ela sentou-se dando boa tarde a todos.
- Boa tarde a todos.
O terapeuta sorriu novamente. E perguntou:
- Você deseja contar a sua estória? Qual era a sua bolsa?
Ela olhou para os lados temerosa de não ser aceita no grupo. Virou-se para o terapeuta, levantou-se dizendo que daria um depoimento sim, mas antes iria ao banheiro, estava no trânsito, não teve tempo, já voltava. Entrou pelo corredor, passou a entrada do banheiro, em direção à porta de saída. Abriu-a e saiu correndo pela calçada.
Tinha entrado no lugar errado. Achava que ali consertariam o bolso de uma calça...
terça-feira, 16 de setembro de 2014
DELAÇÃO
PREMIADA
Um prêmio acumulado
Ele chegou ao departamento da polícia
especializado em corrupção em grandes estatais. Entrou na fila das denúncias,
aguardou sua vez. Duas horas depois, o número da sua senha piscou no monitor.
Estava acompanhado de dois seguranças. Sua denúncia era coisa grave. Muito
grave. Não apenas mais um escândalo, mas “o escândalo”.
- Boa tarde, senhor. Em que posso ajudar?
- Eu quero me entregar. Quer dizer, quero
entregar umas centenas de parlamentares, juízes, governadores, vereadores e
prefeitos. Em troca, o prêmio pela delação. Se possível, um asilo na Suíça.
- Claro, claro... O senhor trouxe uma cópia
do CPF?
O delator tinha declarado em seu blog que não
haveria mais eleições, caso denunciasse o que sabia. O atendente perguntou:
- Não haverá eleições neste ano?
- Neste ano e nos outros. Nunca mais.
Um pouco surpreso, o policial-atendente
levantou as pestanas, arrumou os óculos no rosto. Retirou-se e voltou com o
chefe da repartição. Momento de perplexidade. Tenso.
O depoimento avançou sobre o resto do
expediente. O horário terminou, mas continuaram noite a dentro. A lista dos
denunciados se alongava – incluía assessores, auxiliares administrativos,
porteiros, ascensoristas, um guardador de automóveis do estacionamento em
frente ao prédio e um vendedor de amendoim da calçada. O cartucho da impressora
teve que ser trocado três vezes.
Ao fim, como prêmio pela delação, o
denunciante ganhou liberdade total, mesmo tendo confessado a participação no rombo
milionário em nessa importante empresa estatal – a maior do país.
E mais: o diretor do departamento policial
lhe assegurou que ele passaria a ter um crédito com a justiça, poderia cometer
o crime que quisesse, de qualquer tipo, tamanho o peso do escândalo.
Certamente apenas mais um a ser esquecido e
arquivado.
segunda-feira, 15 de setembro de 2014
O DOADOR DE MEMÓRIAS
& as eleições no país do esquecimento
Está em cartaz mais um daqueles filmes – O Doador de Memórias (The Giver), com Meryl Streep – que aproveita o ficcional para nos falar de metáforas. Ele se passa no futuro, mas fala do mundo de hoje. E pode ser usado como referência ao Brasil, nessa época de cenários pré-eleitorais.
No filme, a humanidade não vive mais em sociedade, mas em comunidades, onde o coletivo sobrepujou o individual. As diferenças de raça, cor, religião, crença foram extirpadas a bem da paz. Os habitantes tomam injeções diárias para inibir os impulsos da emoção, da recordação, de tudo o que poderia levá-los a um pernicioso retorno àquele antigo e superado estado de diferenciação. As crianças nascem em tubos e são encaminhadas para determinadas famílias, sob orientação e estudo dos “Anciãos”, que acompanham todos os seus passos até a juventude, quando recebem a sua “profissão”. Os bebês que nascem “defeituosos” são imediatamente “liberados de volta”, com uma injeção na cabeça: a palavra “morte” ou “assassinato” não existe lá.
Jonas é o garoto que foi escolhido para atuar no ofício de conhecer a memória coletiva da vida antes da mudança para o modelo pacificado das comunidades. Ele recebe instrução de um mentor especializado na história passada e é alertado: sofrerá ao entrar em contato com as imagens das guerras, dos genocídios e de outras misérias humanas tão nossas conhecidas de hoje. Mas, também se emocionará com a diversidade da natureza, conhecerá a beleza das cores e dos sons naturais que foram extintos em prol de se garantir uma tranquilidade “social”.
A vida nessas comunidades é vigiada por câmeras e drones, vinte e quatro horas por dia, com toque de recolher. Tudo, porém, tratado com o rito da delicadeza e urbanidade. Mesmo assim faz lembrar as sociedades modernas de controle estatal, os países onde o comunismo se desenhou, sem garantia da liberdade e do direito individual (e não há racionamento nem escassez de produtos). Há certamente uma crítica velada, forma de dizer que se paga um preço muito alto para se estabelecer essa paz com “ordem”, que o custo vai muito mais além do que os benefícios: a supressão da variedade, da diversidade, das emoções, do sonho, do self made man. Esse “equilíbrio” que só é alcançado pela força, pelo radicalismo. Uma forma intermediária, onde o coletivo opere equilibradamente com o individual, de forma igualitária, não é vislumbrada. É isso ou voltar ao caos, o estado em que vivemos hoje e sempre. O filme sugere que, mesmo vivendo nesse caos, ainda é melhor assim.
O ambiente dessas comunidades paradisíacas pode parecer o país descrito por Dilma, a presidente-candidata. Um lugar melhorado em doze anos de PT. É Lula quem diz que foi feito em uma dúzia de anos o que não foi feito em cinco séculos. Tudo já anda bem, só é preciso continuar nesse ritmo, e pra isso, mais um mandato. E depois, outro e outro e outro...
Dilma é a nossa Meryl Streep, a gerente dessa dimensão comunitária de perfeição e ordem, cujo ofício é trabalhar para manter a população sem memória, quer dizer, para poupar o povo das más recordações que o fazem sofrer. O problema é a lembrança. O PT, no passado, queria estatizar o sistema financeiro? Esqueçam. Hoje, a sua campanha é financiada por banqueiros e grandes empresários, bons samaritanos. Lula esbravejava contra o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal? Deixem pra lá. Depois de eleito, ele surfou na onda da estabilidade da moeda. Denunciava que o Bolsa-Família de FHC era coisa de demagogo, como os CIEPs do Brizola? Sem problema. Hoje o PT criou mais bolsas e Lindbergh promete os “CIEPs do século XXI”. Lindbergh, do PT, surgiu pintando a cara de verde-e-amarelo e gritando “Fora-Collor!” nas ruas? Não tem importância. Eleito, chegou ao Senado com risos e afagos sobre o seu mais novo amigo de infância, o caçador de marajás, presidente deposto num impeachment, por envolvimento no caso PC Farias.
Em 1989, o militante petista tirava do próprio bolso dinheiro para comprar camisas, botons, chapéus e bandeirolas do partido? Não importa: hoje eles são remunerados, têm carteira assinada (pleno emprego), para vestir a camisa na rua e entregar santinhos (santos? Onde?). Em sua primeira candidatura, Lula sofreu golpe baixo da atriz Regina Duarte, que dizia na TV ter medo que o PT chegasse à presidência? Bobagem. Agora, Dilma faz o mesmo com Marina, alertando que será o fim, um retrocesso, se a ex-seringueira assumir o poder. Sarney, Jader Barbalho, Maluf eram demonizados pelo partido dos trabalhadores há vinte e cinco anos? Tranquilidade. Hoje eles são necessários, sem eles não há “governabilidade”, a negociação (um bom negócio) é necessária. Hoje Dilma diz, com todas as letras, que todos os partidos políticos abrigam gente corrupta, incluindo o PT, quando em 2002, em discurso emocionado, Lula asseverava: “o PT não pode errar... Os demais podem, mas não o partido da ética...”
Memória atrapalha, traz sofrimento. Deixemos o serviço da memória apenas para os computadores. E “doador”, hoje, só se for o doador de campanha, com seus generosos e despretensiosos milhões de reais.
& as eleições no país do esquecimento
Está em cartaz mais um daqueles filmes – O Doador de Memórias (The Giver), com Meryl Streep – que aproveita o ficcional para nos falar de metáforas. Ele se passa no futuro, mas fala do mundo de hoje. E pode ser usado como referência ao Brasil, nessa época de cenários pré-eleitorais.
No filme, a humanidade não vive mais em sociedade, mas em comunidades, onde o coletivo sobrepujou o individual. As diferenças de raça, cor, religião, crença foram extirpadas a bem da paz. Os habitantes tomam injeções diárias para inibir os impulsos da emoção, da recordação, de tudo o que poderia levá-los a um pernicioso retorno àquele antigo e superado estado de diferenciação. As crianças nascem em tubos e são encaminhadas para determinadas famílias, sob orientação e estudo dos “Anciãos”, que acompanham todos os seus passos até a juventude, quando recebem a sua “profissão”. Os bebês que nascem “defeituosos” são imediatamente “liberados de volta”, com uma injeção na cabeça: a palavra “morte” ou “assassinato” não existe lá.
Jonas é o garoto que foi escolhido para atuar no ofício de conhecer a memória coletiva da vida antes da mudança para o modelo pacificado das comunidades. Ele recebe instrução de um mentor especializado na história passada e é alertado: sofrerá ao entrar em contato com as imagens das guerras, dos genocídios e de outras misérias humanas tão nossas conhecidas de hoje. Mas, também se emocionará com a diversidade da natureza, conhecerá a beleza das cores e dos sons naturais que foram extintos em prol de se garantir uma tranquilidade “social”.
A vida nessas comunidades é vigiada por câmeras e drones, vinte e quatro horas por dia, com toque de recolher. Tudo, porém, tratado com o rito da delicadeza e urbanidade. Mesmo assim faz lembrar as sociedades modernas de controle estatal, os países onde o comunismo se desenhou, sem garantia da liberdade e do direito individual (e não há racionamento nem escassez de produtos). Há certamente uma crítica velada, forma de dizer que se paga um preço muito alto para se estabelecer essa paz com “ordem”, que o custo vai muito mais além do que os benefícios: a supressão da variedade, da diversidade, das emoções, do sonho, do self made man. Esse “equilíbrio” que só é alcançado pela força, pelo radicalismo. Uma forma intermediária, onde o coletivo opere equilibradamente com o individual, de forma igualitária, não é vislumbrada. É isso ou voltar ao caos, o estado em que vivemos hoje e sempre. O filme sugere que, mesmo vivendo nesse caos, ainda é melhor assim.
O ambiente dessas comunidades paradisíacas pode parecer o país descrito por Dilma, a presidente-candidata. Um lugar melhorado em doze anos de PT. É Lula quem diz que foi feito em uma dúzia de anos o que não foi feito em cinco séculos. Tudo já anda bem, só é preciso continuar nesse ritmo, e pra isso, mais um mandato. E depois, outro e outro e outro...
Dilma é a nossa Meryl Streep, a gerente dessa dimensão comunitária de perfeição e ordem, cujo ofício é trabalhar para manter a população sem memória, quer dizer, para poupar o povo das más recordações que o fazem sofrer. O problema é a lembrança. O PT, no passado, queria estatizar o sistema financeiro? Esqueçam. Hoje, a sua campanha é financiada por banqueiros e grandes empresários, bons samaritanos. Lula esbravejava contra o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal? Deixem pra lá. Depois de eleito, ele surfou na onda da estabilidade da moeda. Denunciava que o Bolsa-Família de FHC era coisa de demagogo, como os CIEPs do Brizola? Sem problema. Hoje o PT criou mais bolsas e Lindbergh promete os “CIEPs do século XXI”. Lindbergh, do PT, surgiu pintando a cara de verde-e-amarelo e gritando “Fora-Collor!” nas ruas? Não tem importância. Eleito, chegou ao Senado com risos e afagos sobre o seu mais novo amigo de infância, o caçador de marajás, presidente deposto num impeachment, por envolvimento no caso PC Farias.
Em 1989, o militante petista tirava do próprio bolso dinheiro para comprar camisas, botons, chapéus e bandeirolas do partido? Não importa: hoje eles são remunerados, têm carteira assinada (pleno emprego), para vestir a camisa na rua e entregar santinhos (santos? Onde?). Em sua primeira candidatura, Lula sofreu golpe baixo da atriz Regina Duarte, que dizia na TV ter medo que o PT chegasse à presidência? Bobagem. Agora, Dilma faz o mesmo com Marina, alertando que será o fim, um retrocesso, se a ex-seringueira assumir o poder. Sarney, Jader Barbalho, Maluf eram demonizados pelo partido dos trabalhadores há vinte e cinco anos? Tranquilidade. Hoje eles são necessários, sem eles não há “governabilidade”, a negociação (um bom negócio) é necessária. Hoje Dilma diz, com todas as letras, que todos os partidos políticos abrigam gente corrupta, incluindo o PT, quando em 2002, em discurso emocionado, Lula asseverava: “o PT não pode errar... Os demais podem, mas não o partido da ética...”
Memória atrapalha, traz sofrimento. Deixemos o serviço da memória apenas para os computadores. E “doador”, hoje, só se for o doador de campanha, com seus generosos e despretensiosos milhões de reais.
quinta-feira, 4 de setembro de 2014
segunda-feira, 1 de setembro de 2014
& o insustentável peso do ser
A entrada de Marina no jogo das eleições e sua surpreendente aceitação numa faixa importante do eleitorado apareceram para satisfazer a demanda, a necessidade de uma "nova" política, um novo jeito de se fazer política. Surge como alternativa à polarização entre PT e PSDB.
Marina tenta deixar a marca da diferenciação. Depois de sua experiência no PV e no PT, a ex-seringueira e ex-senadora resolve criar um "partido" denominado Rede Sustentabilidade ou simplesmente Rede. Poderia tê-lo chamado de PRS - Partido da Rede Sustentabilidade - mas, preferiu não adicionar essa palavrinha que já está bem batida. Enquanto "partido" está ligado ao sentido de "parte", de "divisão", "Rede" informa sobre uma totalidade, uma integração. A Internet é a rede (net) de computadores integrados mundialmente.
Foi defendendo os povos da floresta amazônica, nos idos de 1984, que Marina desenvolveu, junto a Chico Mendes, o conceito de florestania. Traduzindo, seria a "cidadania dos povos da floresta". Sua sacação é perspicaz: "cidadania" tornou-se um termo vago, vulgarizado, muito usado especialmente nesses tempos eleitorais, onde fica bonito na fita o candidato encher a boca para falar que "o povo precisa de cidadania", que os direitos do "cidadão" são sistematicamente a ele negados. O neologismo que se refere à floresta retira da "cidade" a sua vocação em ser um grande polo referencial. Todo brasileiro tem direito à "cidadania", a ser "cidadão", que não é só um direito, mas se tornou historicamente uma obrigação. Somos obrigados aceitar o modo de vida das cidades, a vida urbanizada, o excesso de asfalto, cimento, fibra, plástico, metal, fumaça e, por conseguinte, todo o prejuízo ambiental advindo no pacote do "progresso". Marina quis pensar em algo diferente da cidadania, assim como diz pensar em algo distinto de política.
Até 1970, 70% da população brasileira viviam nos campos, e o restante, nas cidades urbanizadas, capitais e metrópoles. De lá pra cá, um pouco mais de quatro décadas, a estatística inverteu-se: quase 80% da população vivem nas cidades, e o resto no campo, na floresta, em áreas rurais. Você acha que essa inversão não traz consequências ao meio ambiente? Pensa que a natureza não se ressente do impacto e dará uma resposta, depois de séculos vivendo de um jeito?
Em 2015, Paris sediará a Conferência Mundial do Clima. As projeções climáticas, para um futuro próximo, não são nada alvissareiras, para não chamá-las de apocalípticas. Não se cumpriu a agenda da ECO-92, quando os países vieram ao Rio de Janeiro tratar da sustentabilidade do mundo e assinar compromisso. O econômico, no mundo, tem falado mais alto que o ecológico. Eis a tragédia do "eco".
O mundo anda insustentável. O modelo de urbanização das cidades, as políticas de consumo e a filosofia consumista da Era industrial não mais se sustentam. A partir de 2050, se permanecer esse modelo insustentável, a humanidade precisará de dois planetas Terras para explorar recursos - e não será outro um dos principais motivos para as pesquisas espaciais. Para arrefecer o cinza metálico dessa onda antiga (trezentos anos de revolução industrial), tentou-se o vermelho das ideologias revolucionárias durante um bom tempo, que não funcionou porque focalizou no direito do cidadão (citizen), mantendo-se o padrão industrial, a urbanização desenfreada. O mundo está precisando se esverdear.
Fala-se agora de uma "nova" política. Só acreditarei que se trata de algo novo de verdade quando a nossa classe política se espelhar no presidente do Uruguai, José Mujica. Não pela sua agenda polêmica de legalização do plantio da maconha, do aborto até um ano de gravidez, da união homoafetiva. Mas, em função de sua postura quanto ao verdadeiro sentido de "representação". Como político, Mujica representa os uruguaios, é seu representante. Sendo pobre a maioria da população (4 milhões), a sua vida privada transcorre conforme. Uma honesta coerência. Vive numa pequena fazenda, nos arredores de Montevidéu, cria galinhas e cultiva hortas, dirige seu próprio carro - um fusquinha azul.
Só acreditarei em "nova" política, no Brasil, se os nossos políticos fizerem o mesmo, abrindo mão de 90% do salário, como faz o presidente do Uruguai, que doa o dinheiro aos necessitados. Um deputado federal, aqui, embolsa 170 mil reais por mês, juntando salário (26 mil), ajudas de custo, auxílio-moradia, verba de gabinete para 25 funcionários (78 mil), cotas telefônicas e postais, verbas indenizatórias de viagem, estada, alimentação, etc. Multiplique isso por 513, e aparecerá na tela a incrível cifra de R$ 1.046.520.000,00 (um bilhão, quarenta e seis milhões e quinhentos e vinte mil reais) por ano. Agora, junte todos os vereadores e prefeitos do país (5.600 cidades), os membros do Judiciário, e tente imaginar o quanto é gasto para se manter a "velha" política funcionando. Aproveite para adicionar também o gasto bilionário das campanhas políticas: 74 bilhões ou três Copas do Mundo padrão-Fifa. Dá para continuar sustentando algo assim? Até quando?
A única forma de o político promover uma "nova" política é mujicalizando-se. Fora disso, é a velha cantilena pra boi dormir, é a corrida pelo melhor emprego do mundo. E não importa o discurso, se o candidato tem estampa não-convencional, se é ecológico, se o partido não tem nome de partido. Se não copiar o Mujica, será apenas o mais do mesmo, o ressoar da velha política.
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