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LITERATURA









SOMBRAS DO FUTURO
Previsão de tempo bom

Domingo passado tive condição de passar algumas horas, numa orla praieira, pela manhã, e peguei excesso de sol. Sem chapéu, com meu penteado a la Bruce Willys, exagerei no tempo de exposição e consegui um bronze que há muito não pegava. Mas, também uma dor de cabeça. Depois de uma semana chuvosa e fria, um sol rascante fazendo um grande contraste.

Em pleno mês de Julho, às portas de um agosto, ainda inverno. Tentei projetar como será o próximo verão, daqui a alguns meses. Chuvas podem amenizar um verão tórrido. Mas, se elas não vêm, a chapa esquenta; reservatórios secam, como no caso de São Paulo. Se este for um cenário mundial, poderemos chegar a uma situação drástica de racionamento agressivo (banhos aos sábados e chicletes, em vez de escova e pasta de dente), copinhos d'água a preço de ouro. As economias dos países passando a usar água como a base de lastro para emissão de papel-moeda. Traficantes sendo presos por causa do comércio ilegal de garrafas com o líquido precioso, água vinda do Paraguai, camelôs enriquecendo com a venda de óculos escuros, chapéus e guarda-sóis. Um inferno.

 
E aí, em meio à secura, surgirão os loteadores de sombra. A luz do sol dá uma colher de chá não atravessando a superfície sólida, tirante as de vidro. Você transitará correndo, alucinado, pela beira da praia atrás de sombra. E encontrará os flanelinhas das sombras - guardadores daquele espaço fresco que refrigera e salva as almas do clima subsaárico. Quer dizer, até o governo descobrir que tal atividade possa render dividendos aos cofres públicos, regularizando-o por meio de uma lei municipal e contratando guardadores uniformizados (túnica e turbante árabes). Beiradas de edifícios e residências cercadas por chapéus-de-bruxa, delimitação territorial de cada flanelinha. E, dependendo da hora do pico, haverá filas, senhas, pessoas no sol escaldante torcendo para que a hora dos que estão na sombra se acabe logo, a fim de chegar a sua vez. Muito parecido com o que ocorre em alguns restaurantes, em São Paulo, quando o problema não é o calor, mas a fome, a pressa e a falta de espaço.

E surgirão movimentos sociais, como o MSS, Movimento dos Sem Sombra, que invadirão os espaços sombreados da cidade requerendo a atenção da sociedade e dos governos. Haverá serviço de "sombra ambulante" - carregadores de guarda-sol que levarão você até onde quiser, garantindo um oásis móvel. Claro, também está previsto o serviço Vip, para classes diferenciadas, com direito à água (incluindo a gelada) e/ou óculos escuros, chapéu, viseira, leque-abanador acompanhado de lindas mulheres abanadoras, etc.

A sombra deixará de ser um símbolo do inconsciente, o antípoda da luz, da consciência. Ao contrário, será um objeto de desejo muito consciente. E o sol, signo do bem, da luz, da liberdade, tornando-se o arquétipo da escravidão, do mal. A sombra, o frio, virando luz, e o sol, o calor passando a representar as trevas. Aumento progressivo da população de vampiros, no planeta. Se você não sabe mais conceituar ou distinguir, em política, o que seja "direita" ou "esquerda", imagine quando as coisas forem invertidas por causa desse clima dócil de sessenta graus à sombra...

E tudo isso, tendo que ouvir a moça da previsão do tempo chamar esse calor de "tempo bom". Aquela cara na tv, bonitinha, sorridente, que beira ao sarcasmo.
 



NOVA QUADRILHA
Parodiando o poema "Quadrilha" do Mestre ascensionado
Carlos Drummond






Luís amava o PT que amava o PMDB
que amava o PSDB que amava Joaquim que amava

botar ladrão na cadeia,
cadeia que não amava prender ninguém.
Luís virou rico consultor de empresas nos Estados Unidos,
PT foi para o ramo do comércio,
PMDB morreu de fisiologismo, PSDB ficou para a tia,
Joaquim aposentou-se e na cadeia restou o office-boy
da empresa laranja
que não tinha entrado na história
(mas, amava nos bastidores).



GREVE DE MIM




















Tudo está em greve.
Farei greve também, de mim mesmo.
Pregarei faixas dizendo “Fora Eu!”
Escreverei um grande e belo discurso
Falando dos meus erros,
Criticando o partido que sou,
Partido em mil pedaços inconciliáveis.
E tenho direito a segundos miseráveis
No horário eleitoral da televisão.



Sairei pelas ruas, de preto, sorrindo sarcástico,
Um anônimo que lança
pedras em suas próprias janelas.
Quanto o que prometi e não cumpro,
O que projetei e não se realiza!
Pago bolsas à população que vive em mim
Sempre esperando sua fidelidade na hora do voto.
Dou-me o peixe, mas não me ensino a pescar.
Eu pescando meu próprio peixe, isto seria perigoso,
Revolucionário, um milagre de multiplicação,
Eu não precisaria mais de mim para me eleger,
Isto sim um atraso.
Vez em quando essa população interna sai pelas ruas [também interiores
Pedindo ao governo que governo
Simplesmente a prestação de serviços melhores,
Praticamente em todos os setores.
Por isso estou em greve.
Daí meu plano ser tácito.
Mas, se você me encontrar estático, no meio da rua,
É porque estou no mundo da lua
Engarrafando o trânsito.



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