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quinta-feira, 13 de novembro de 2014


CONSERVADORES & PROGRESSISTAS
Considerações acerca do pai do Tuninho
 
O pai do Tuninho é o maior reaça. Muito conservador. Tanto assim, que no seu exame de sangue apareceu uma alta taxa de conservante ácido benzoico. Coitado do Tuninho, que paga maior micão com aquele pai fora de moda. Não tem coisa pior do que um coroa tentando se passar por garotão, não só garotão, mas um garotão conservador. Ridículo. Mico.

Os pais dos outros são mais legais. Deu pra sacar isso durante uma festa, no colégio. São progressistas. Antenados com o mundo de hoje. Seus filhos se orgulham do progressismo paterno. E não se pode dizer o mesmo de Tuninho – seu pai parece ter saído do túnel do tempo, diretamente da Idade Média. Havia gente progressista na Idade Média, mas seu pai não parece ter estado entre eles. Mesmo porque ele nem havia nascido. Ou havia, mas se conservou até hoje.

Se o mundo ficou desse jeito, foi certamente por culpa dos conservadores. Por eles, não teríamos abandonado a roda quadrada. A redonda pôs tudo a perder – repare o que aconteceu depois disso. Enquanto só existia a quadrada, o mundo seguia equilibrado, os exércitos tribais lutavam em pé de igualdade: pau e pedra era o que não faltava. E os carros-de-guerra, feitos com a madeira do pinheiro-de-wollemi, locomoviam-se com muita dificuldade. A primeira roda redonda, o início de tudo, deve ter sido inspirada na morte, feita pensando-se em aumentar a velocidade de incursão no território inimigo.

Mas, com a roda redonda, começou a desigualdade. O primeiro primitivo que esmerilhou uma roda em círculo perfeito se deu bem e é o ancestral mais distante de George Soros. Até chegar à complexidade e excelência do sistema financeiro, a roda passou por melhoramentos cada vez maiores, como a invenção de um buraco no meio, após séculos de observação e pesquisa, permitindo assim se inventar os sistemas de eixo.

“Meu pai é conservador” – confidenciou-me Tuninho, tristonho. E abriu totalmente o jogo. Marxista ortodoxo, o pai dele conserva até hoje dentro de si as diretrizes do primeiro plano de desenvolvimento da União Soviética – aquilo sim um avanço na administração pública. Foi totalmente contrário à derrubada do Muro de Berlim, achou que Gorbachov exagerava na vodka quando criou aquele negócio de perestroika. Por ele, o mundo continuaria bipolar, cada um no seu canto, Maluf, Collor e Sarney sendo chamados de “direita” pelo PT, o vídeo-game, a máquina-de-escrever... tudo bem definido.

Tuninho foi dizer ao pai que os pais de seus amigos eram gente que valorizava a constituição da família, a religião e a propriedade privada. Eles, sim, gente progressista, revolucionária, que conta com Deus para transformar o mundo. Para se ter apenas uma ideia... Quase todos, casados há mais de vinte anos! Com exceção de dois, que ficaram viúvos e vestiram luto permanente.

Arrependeu-se de dizer isso. Seu pai pegou no seu pé o resto do ano.

- Filho, melhor é a tradição. Não ligues se os amigos te chamarem “conservador”. Fala pra eles que aqui nesta casa somos conservadores, sim, porque conservamos coisas boas. Olhe aqui. Está vendo esse charuto cubano? É de 1959. Eu o conservo até hoje.

 

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