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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O DOADOR DE MEMÓRIAS
& as eleições no país do esquecimento



Está em cartaz mais um daqueles filmes – O Doador de Memórias (The Giver), com Meryl Streep – que aproveita o ficcional para nos falar de metáforas. Ele se passa no futuro, mas fala do mundo de hoje. E pode ser usado como referência ao Brasil, nessa época de cenários pré-eleitorais.

No filme, a humanidade não vive mais em sociedade, mas em comunidades, onde o coletivo sobrepujou o individual. As diferenças de raça, cor, religião, crença foram extirpadas a bem da paz. Os habitantes tomam injeções diárias para inibir os impulsos da emoção, da recordação, de tudo o que poderia levá-los a um pernicioso retorno àquele antigo e superado estado de diferenciação. As crianças nascem em tubos e são encaminhadas para determinadas famílias, sob orientação e estudo dos “Anciãos”, que acompanham todos os seus passos até a juventude, quando recebem a sua “profissão”. Os bebês que nascem “defeituosos” são imediatamente “liberados de volta”, com uma injeção na cabeça: a palavra “morte” ou “assassinato” não existe lá.

Jonas é o garoto que foi escolhido para atuar no ofício de conhecer a memória coletiva da vida antes da mudança para o modelo pacificado das comunidades. Ele recebe instrução de um mentor especializado na história passada e é alertado: sofrerá ao entrar em contato com as imagens das guerras, dos genocídios e de outras misérias humanas tão nossas conhecidas de hoje. Mas, também se emocionará com a diversidade da natureza, conhecerá a beleza das cores e dos sons naturais que foram extintos em prol de se garantir uma tranquilidade “social”.

A vida nessas comunidades é vigiada por câmeras e drones, vinte e quatro horas por dia, com toque de recolher. Tudo, porém, tratado com o rito da delicadeza e urbanidade. Mesmo assim faz lembrar as sociedades modernas de controle estatal, os países onde o comunismo se desenhou, sem garantia da liberdade e do direito individual (e não há racionamento nem escassez de produtos). Há certamente uma crítica velada, forma de dizer que se paga um preço muito alto para se estabelecer essa paz com “ordem”, que o custo vai muito mais além do que os benefícios: a supressão da variedade, da diversidade, das emoções, do sonho, do self made man. Esse “equilíbrio” que só é alcançado pela força, pelo radicalismo. Uma forma intermediária, onde o coletivo opere equilibradamente com o individual, de forma igualitária, não é vislumbrada. É isso ou voltar ao caos, o estado em que vivemos hoje e sempre. O filme sugere que, mesmo vivendo nesse caos, ainda é melhor assim.

O ambiente dessas comunidades paradisíacas pode parecer o país descrito por Dilma, a presidente-candidata. Um lugar melhorado em doze anos de PT. É Lula quem diz que foi feito em uma dúzia de anos o que não foi feito em cinco séculos. Tudo já anda bem, só é preciso continuar nesse ritmo, e pra isso, mais um mandato. E depois, outro e outro e outro...

Dilma é a nossa Meryl Streep, a gerente dessa dimensão comunitária de perfeição e ordem, cujo ofício é trabalhar para manter a população sem memória, quer dizer, para poupar o povo das más recordações que o fazem sofrer. O problema é a lembrança. O PT, no passado, queria estatizar o sistema financeiro? Esqueçam. Hoje, a sua campanha é financiada por banqueiros e grandes empresários, bons samaritanos. Lula esbravejava contra o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal? Deixem pra lá. Depois de eleito, ele surfou na onda da estabilidade da moeda. Denunciava que o Bolsa-Família de FHC era coisa de demagogo, como os CIEPs do Brizola? Sem problema. Hoje o PT criou mais bolsas e Lindbergh promete os “CIEPs do século XXI”. Lindbergh, do PT, surgiu pintando a cara de verde-e-amarelo e gritando “Fora-Collor!” nas ruas? Não tem importância. Eleito, chegou ao Senado com risos e afagos sobre o seu mais novo amigo de infância, o caçador de marajás, presidente deposto num impeachment, por envolvimento no caso PC Farias.

Em 1989, o militante petista tirava do próprio bolso dinheiro para comprar camisas, botons, chapéus e bandeirolas do partido? Não importa: hoje eles são remunerados, têm carteira assinada (pleno emprego), para vestir a camisa na rua e entregar santinhos (santos? Onde?). Em sua primeira candidatura, Lula sofreu golpe baixo da atriz Regina Duarte, que dizia na TV ter medo que o PT chegasse à presidência? Bobagem. Agora, Dilma faz o mesmo com Marina, alertando que será o fim, um retrocesso, se a ex-seringueira assumir o poder. Sarney, Jader Barbalho, Maluf eram demonizados pelo partido dos trabalhadores há vinte e cinco anos? Tranquilidade. Hoje eles são necessários, sem eles não há “governabilidade”, a negociação (um bom negócio) é necessária. Hoje Dilma diz, com todas as letras, que todos os partidos políticos abrigam gente corrupta, incluindo o PT, quando em 2002, em discurso emocionado, Lula asseverava: “o PT não pode errar... Os demais podem, mas não o partido da ética...”

Memória atrapalha, traz sofrimento. Deixemos o serviço da memória apenas para os computadores. E “doador”, hoje, só se for o doador de campanha, com seus generosos e despretensiosos milhões de reais.

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