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sexta-feira, 7 de novembro de 2014

BOLSÓLATRAS ANÔNIMOS I
 
O tempo foi passando, vieram as eleições, as urnas continuaram eletrônicas e o partido ficou mais alguns mandatos no poder. Até que um dia enjoou. Também sobraram poucos ministros, poucos deputados e senadores, quase todos foram presos numa sequência incessante de escândalos, cada um que vinha deixava o anterior no chinelinho. O partido abandonou as eleições, por dó, dando uma chance de a oposição vencer, ficar um pouquinho no comando e aproveitar o que sobrou do patrimônio público.
 
O novo governo suspendeu o benefício das bolsas, logo que foi empossado. Precisava fazer uma auditoria geral – demandava tempo, foram décadas e mais décadas num partido só. Não fossem as eleições, dir-se-ia: vive-se numa ditadura. O pior é que um governo democrático cai quando a situação econômica fica ruim, mas as ditaduras parecem durar quanto mais a economia se deteriora. A maioria dos beneficiários nem mais estavam vivos (foram chamados de “os fantasmas do passado”). Os poucos que restaram não sabiam o que fazer para curar a dependência: as bolsas criaram uma geração de dependentes do Estado. O novo governo resolveu então promover a recuperação para bolsólatras.
                                                             
* * *
 
Ela chegou atrasada no casarão, carregando embrulho, estavam já todos sentados nas cadeiras, em círculo. O terapeuta lhe sorriu, dando boa tarde. Ela sentou-se dando boa tarde a todos.
 
- Boa tarde a todos.
 
O terapeuta sorriu novamente. E perguntou:
 
- Você deseja contar a sua estória? Qual era a sua bolsa?
 
Ela olhou para os lados temerosa de não ser aceita no grupo. Virou-se para o terapeuta, levantou-se dizendo que daria um depoimento sim, mas antes iria ao banheiro, estava no trânsito, não teve tempo, já voltava. Entrou pelo corredor, passou a entrada do banheiro, em direção à porta de saída. Abriu-a e saiu correndo pela calçada.
 
Tinha entrado no lugar errado. Achava que ali consertariam o bolso de uma calça...

 

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