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segunda-feira, 10 de novembro de 2014


BOLSÓLATRAS ANÔNIMOS II
 
Era conhecida como O Casarão. Uma clínica especializada em tratamento a dependentes de bolsas dadas pelo governo. As bolsas surgiram para ser provisórias, enquanto durasse a miséria no país. O Brasil saiu do mapa da miséria, mas o mapa das bolsas continuou, de Norte a Sul, mais ao Norte.
O novo governo, após uma dinastia de mais ou menos dez ou doze mandatos consecutivos do outro partido – ninguém lembra ao certo – dedicou os quatro anos do seu mandato em auditoria dos programas do governo anterior e descobriu milhares de beneficiários em situação irregular. Teve que desativar imediatamente muitos benefícios. E muita gente entrou em depressão quando o governo parou a concessão. Hordas de brasileiros vagando pelas ruas e olhando para o zênite, como zumbis, sem saberem o que fazer. Uma coisa muito forte, fisiológica, dava tremedeira e à noite o sujeito suava frio, antes de dormir.
* * *
 
Ele chegou ao Casarão, mais uma vez, sentou-se na cadeira marcada. Estava disposto a falar, se abrir com os amigos, nunca tivera coragem. Respirou fundo, levantou o dedo quando o terapeuta perguntou se alguém queria falar.
- Gostaria de dizer o que eu ouvi de dois deputados, na televisão. Um dizia pro outro que o Bolsa-Família era como dar o peixe ao pobre, sem ensiná-lo a pescar. Mas, o outro disse que com a barriga cheia era mais fácil aprender a pescar.
O depoimento causou uma boa impressão, todos acenaram em concordância. É claro que é melhor buscar emprego com a barriga cheia, sem fome. Uma metáfora. É preciso completar a etapa inicial – alimentar o povo – para então o sujeito ter forças para conquistar emprego.
- Um absurdo! Com o dinheiro do governo comprei varinha de pescar, umas oito, material, barco, equipamentos de segurança... Só de combustível...! Mas, não pescava nada. Se eu juntar esses anos todos, não dão dez lambaris!
- Você vai se recuperar, fique tranquilo. A maioria aqui frequentou pesque-e-pague... Tem gente que nem assim conseguiu pescar...
Ao fim da sessão, depois que todos relataram seus casos, uma coisa ficou bem entendida: nova metáfora era necessária. A do peixe não funcionou.
  
 

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