BOLSÓLATRAS
ANÔNIMOS II
Era conhecida como O Casarão. Uma clínica
especializada em tratamento a dependentes de bolsas dadas pelo governo. As
bolsas surgiram para ser provisórias, enquanto durasse a miséria no país. O
Brasil saiu do mapa da miséria, mas o mapa das bolsas continuou, de Norte a
Sul, mais ao Norte.
O novo governo, após uma dinastia de mais ou
menos dez ou doze mandatos consecutivos do outro partido – ninguém lembra ao
certo – dedicou os quatro anos do seu mandato em auditoria dos programas do
governo anterior e descobriu milhares de beneficiários em situação irregular.
Teve que desativar imediatamente muitos benefícios. E muita gente entrou em
depressão quando o governo parou a concessão. Hordas de brasileiros vagando
pelas ruas e olhando para o zênite, como zumbis, sem saberem o que fazer. Uma
coisa muito forte, fisiológica, dava tremedeira e à noite o sujeito suava frio,
antes de dormir.
* * *
Ele chegou ao Casarão, mais uma vez, sentou-se
na cadeira marcada. Estava disposto a falar, se abrir com os amigos, nunca
tivera coragem. Respirou fundo, levantou o dedo quando o terapeuta perguntou se
alguém queria falar.
- Gostaria de dizer o que eu ouvi de dois
deputados, na televisão. Um dizia pro outro que o Bolsa-Família era como dar o
peixe ao pobre, sem ensiná-lo a pescar. Mas, o outro disse que com a barriga
cheia era mais fácil aprender a pescar.
O depoimento causou uma boa impressão, todos
acenaram em concordância. É claro que é melhor buscar emprego com a barriga
cheia, sem fome. Uma metáfora. É preciso completar a etapa inicial – alimentar
o povo – para então o sujeito ter forças para conquistar emprego.
- Um absurdo! Com o dinheiro do governo comprei
varinha de pescar, umas oito, material, barco, equipamentos de segurança... Só
de combustível...! Mas, não pescava nada. Se eu juntar esses anos todos, não
dão dez lambaris!
- Você vai se recuperar, fique tranquilo. A
maioria aqui frequentou pesque-e-pague... Tem gente que nem assim conseguiu
pescar...
Ao fim da sessão, depois que todos relataram
seus casos, uma coisa ficou bem entendida: nova metáfora era necessária. A do
peixe não funcionou.
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