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quinta-feira, 7 de agosto de 2014


 
 
ULYSSES SEM OUVIDOS

O cargo homérico da Presidência da República

Curiosa a estória de Ulysses, escrita por Homero, na Antiguidade remota. O mais antigo herói de que se tem notícia, desbravador de mares perigosos e infestados de tenebrosas criaturas. Além disso, enfrentou deidades, encarou os deuses, concluiu seu projeto de retornar a Ítaca, onde fez justiça e salvou a família dos inimigos que rondavam.

Uma estória plena de mitologia, símbolos, significados, bem ao gosto dos gregos antigos. Livros acadêmicos não cessam de nascer, teorias, tese sobre tese, assunto inesgotável em debates e monografias.

A parte da narrativa homérica em que o nosso herói precisa atravessar um mar de sereias sempre me chamou a atenção. As sereias emitiam maravilhosas melodias, em alto-mar, e quem as escutasse pulava nas águas e morria afogado. Era irresistível. Daí a expressão popular - o canto da sereia - para designar o artifício da sedução, do engodo.

Ulysses estava desejoso de escutar as belas cantando nas águas. Arrepiava-se só de pensar. Ao mesmo tempo, ouvia testemunhos terríveis sobre homens, valentes guerreiros, que sucumbiam ao encanto e se jogavam apaixonados ao mar. Até que, em meio a um mundo cortejado pela irracionalidade de bestas e deuses alcoolizados no Olimpo, surgiu-lhe uma ideia racional, um esboço do cartesianismo posterior, histórico - talvez a primeira ideia, de uma série, que iniciaria a construção do mundo, da civilização, como vemos hoje: amarrar-se ao mastro com cordas apertadas, firmes. Mas, quem tocaria a embarcação? Se os escravos-remadores ouvissem o canto, todos se jogariam ao mar. Simples. Esses não ouviriam o canto. Colocaram cera nos ouvidos e continuaram remando. O trabalhador, o operário, se sacrifica desde o início dos tempos. Vive para trabalhar e é impedido de ouvir a voz maviosa das sereias, que também pode significar a "verdade dos fatos".

E a cera, no ouvido, hoje, são muitas coisas: Copa, Olimpíadas, novela, Big Brother, o nível educacional... Um povo munido de verdadeira Educação teria os ouvidos bem abertos e não seria facilmente enganado. Já os patrões, hoje, representados por Ulysses - o desbravador, o empreendedor - não podem gozar de verdadeira liberdade, apesar de conseguirem ouvir o canto das sereias, de conquistarem fortuna e poder. Precisa de amarras também, contenção, sacrifício de uma vida inteira, não ter tempo para a família ou os amigos, para si mesmo: caso contrário, seu arrependimento vai por água abaixo.

Mas, o que tem a ver Ulysses - não o Guimarães - com a Presidência da República atualmente? É o seguinte: trata-se de um cargo para surdos. Mudos não, pois ali se fala muito, mas surdos. Lula não sabia do mensalão que transcorria na sala ao lado do seu gabinete. Dilma desconhecia sobre alguns detalhes de Pasadena, ela presidindo a Comissão que avaliava a compra da refinaria, na época.

Quando o "trabalhador" chegou à Presidência da República, no Brasil, foi como se um daqueles remadores de Ulysses deixasse o remo para assumir o rumo, a direção do barco. Só que se "esquecendo" de tirar a cera dos ouvidos.

Por outro lado, onde estarão as cordas que sobraram, que outrora amarravam Ulysses? Estão por aí. Terão utilidade atualmente? Sim, existem uns, que se acham deuses, doidos para amarrar, no mastro da embarcação, a Imprensa e o Judiciário.


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