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terça-feira, 26 de agosto de 2014

BALDE DE ÁGUA FRIA
Resgatando um ritual antigo
 
Eu, olhando Fátima Bernardes tomando um banho de água fria vinda de um balde, me lembrei de que, na verdade, esse é um ritual antigo. Personalidades têm tomado banho assim ultimamente, em público, em prol de ajudar uma ONG que pesquisa sobre a esclerose.
 
Ritual antigo porque faz parte da minha adolescência, no bairro da Água Santa. O ritual não tem nada a ver com o nome do bairro, é só coincidência. Pode ser que seja mais antigo ainda, remontando à Idade Média ou à Antiguidade Clássica. Em várias religiões, o ritual de batismo, de iniciação, comunga do ato de imergir o adepto na água de um rio.
 
Mas, no meu caso, era coisa de suburbano mesmo. Quem morou no subúrbio, não tendo a beira refrescante da praia como quintal e, muito menos, dinheiro, precisava ser criativo para se divertir. Jogar peão, pelada de rua, soltar pipa, carrinho de rolimã são exemplos dessa compensação. Rituais recorrentes em diversos bairros da zona norte. Mas, suspeito que o banho com balde d´água só prosperou na Água Santa, e mesmo assim por um curto espaço de tempo, até aparecer a Internet, onde vemos que o ritual se virtualizou e agora se estende aos famosos que desejam ajudar a campanha da ONG.
 
Lá, no bairro, o balde d'água era jogado sobre o aniversariante do dia - eis o presente dos amigos do quarteirão. Tudo era combinado antes, fazíamos o aniversariante sentar na calçada encostado ao muro da casa onde eu morava. Alguém se encarregava de entrar no quintal, por uma porta na outra rua (casa de esquina), encher o balde, pegar um banquinho e jogar a água por cima do muro. A cena da cachoeira de balde, com a vítima tomando susto, era imperdível, vinha gente de outros bairros para assistir. E não adiantava o felizardo não aparecer no dia, pois o ritual era adiado, ele acabava esquecendo, e aí, de repente surgia o balde:
 
- Peraí, peraí! O aniversário já passou e essa roupa não...
- Chuáááááá!!!
 
Outros rituais havia. Alguns com uma dimensão mais sólida, doloridos, do que a água do balde, como o de atirar pedras em quem se despedia da rua, já noitinha, ao chamado da mãe, para tomar banho, jantar e dormir. Se no grupo havia dez amigos reunidos, o primeiro a sair precisava partir em disparada, em ziguezague, para não ser alvejado por nove. Assim, por diante, até o ponto em que restava ao último acertar o penúltimo, em sua pedrada solitária e sem testemunhas. Coisas do subúrbio selvagem.
 
Que falta faz uma beira de praia por perto.
 

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